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Agricultores e apicultores da Chapada do Apodi trazem denúncias durante reunião do CEDR

Geral

Cáritas e organizações parceiras comparecem ao Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural (CEDR) – SDA

Publicação: 10/05/2022


Na última quinta-feira, 05 de abril, agricultores da Chapada do Apodi, representantes de entidades parceiras, a Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte e a Cáritas Regional Ceará, estiveram presentes durante a assembleia extraordinária do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural (CEDR) – SDA Ceará. Após a divulgação da moção pública no dia 20 de abril, em que a Cáritas, como membro do conselho, alertou sobre os nefastos efeitos ocasionados pela expansão da fronteira agrícola do agro e hidronegócio no território da Chapada do Apodi, estes participantes foram convidados a corroborar com mais dados para consolidar as denúncias sobre a violação de direitos contra as comunidades e o meio ambiente.

Historicamente, a Cáritas vem trabalhando em conjunto com comunidades, organizações parceiras e com entidades de ensino, na construção do desenvolvimento solidário e sustentável nos territórios em que está presente. Na Chapada do Apodi, quem vem desenvolvendo esse trabalho há quase 6 décadas é a Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte. Nesse momento, a denúncia e o grito das comunidades, vem como um apelo, um pedido de socorro diante da intensa ação do agronegócio com resultados assustadoramente claros - como a morte de centenas de abelhas e colmeias, do desmatamento desenfreado e do cercamento das comunidades - como aponta matéria publicada pelo Brasil de Fato Ceará.


Durante a assembleia, como bem pontuou a Secretária Regional da Cáritas Ceará, Glória Carvalho, é papel do conselho debater o modelo tradicional de agricultura, frente às alternativas da agricultura familiar, camponesa e agroecológica desenvolvida por essas comunidades. “Nosso papel, tanto dentro do conselho, quanto em outros espaços de políticas públicas, é levar a voz das comunidades para o fortalecimento da agricultura no estado do Ceará”. E, diante das mudanças climáticas, é papel dessas comunidades e sobretudo do Governo, fortalecer esse outro modelo de produção sustentável e solidária, frisando a importância que esse modelo de produção desempenha na garantia da segurança alimentar e nutricional, levando alimentos à mesa de todas as famílias do campo e da cidade.

Contextualizando e apresentando o território, a agrônoma, pedagoga e professora da EFFA Jaguaribana, Adelita Maia, trouxe uma perspectiva não somente geográfica - localizando as comunidades e os locais de incidência do agro e do hidronegócio sobre elas - mas ainda, social e economicamente, como essas comunidades e famílias se organizam. Tendo como principais atividades econômicas, o cultivo do milho, feijão e cajú, além da criação de bovinos, ovinos e caprinos. Além disso, Adelita destacou a região de Tabuleiro do Norte e sua importância na produção de mel no estado, tendo produzido 121 toneladas entre os anos de 2018 e 2021.


“A gente sabe o que o agronegócio defende e nós estamos aqui para afirmar o que nós defendemos como comunidades camponesas. E que precisamos ter nossos direitos garantidos em nosso território”, diz a pedagoga. Adelita ressalta que a presença do agronegócio no vale do jaguaribe não é algo recente, mas que em Tabuleiro do Norte esse avanço se intensificou durante a pandemia.

Grande parte dos dados trazidos por Adelita, foram levantados a partir da parceria da Cáritas com instituições de ensino como o IFCE, faculdades e universidades locais. O professor João Rameres, trouxe em sua fala a importância dos trabalhos dessas instituições por meio de intervenções qualificadas, na busca de soluções coletivas e dialogadas com a comunidade. Ressaltando que os órgãos governamentais têm responsabilidade não somente com os empreendedores mas principalmente com as comunidades que estão historicamente no território. “A morte das abelhas não é um fato isolado, para que ele possa ser resolvido unilateralmente com aquele apicultor que perdeu suas abelhas jandaíra”, disse Rameres fazendo relação a uma fala proferida no início da sessão que relatava que o dono da empresa havia entrado em contato e indenizado o apicultor de um vídeo que havia viralizado nas redes e repercutido a questão.

O mandato do Deputado Renato Roseno também esteve presente no momento, representado pela pesquisadora e bióloga Cecília Feitosa. Em novembro de 2021, o mandato recebeu a denúncia de 600 hectares desmatados do território. Nesse processo, outras questões foram averiguadas, como a transparência do processo, as áreas vinculadas muito próximas às comunidades, muitas espécies com alto índice de extinção serem localizadas justamente nos territórios em que as ações da empresa se materializam.

Além disso, o licenciamento das áreas em que a empresa se instalou aconteceu de forma fragmentada: várias “pequenas” propriedades de terra registradas todas sob o mesmo CNPJ. “Desse modo, a empresa acaba necessitando somente de um licenciamento simplificado. Sendo que seria necessário nesse cenário um estudo de impacto ambiental, relatório de impacto ambiental, relação de audiências públicas e a discussão com as comunidades para que inclusive se verifique a transparência dos processos.” disse Cecília.

“Do ponto de vista dos órgãos ambientais, a gente vai continuar cobrando a efetiva fiscalização e revisão desses licenciamentos. Na nossa opinião é necessário inclusive observar se essas condicionantes estão sendo cumpridas. Já que vimos aqui nessas falas, indícios fortíssimos de irregularidades.”, diz Cecília. Durante a assembleia, o representante da SEMACE informou que a empresa já foi notificada quanto algumas das questões apresentadas, como o uso de correntão para desmatamento e reforçando que a fragmentação das licitações são práticas que precisam realmente ser averiguadas.

Sentindo na pele

Durante a assembléia, duas falas muito impactantes foram proferidas por pessoas do território da Chapada afetadas diretamente pelas ações denunciadas. João Vandir,  agricultor Tabuleiro do Norte, trouxe em sua fala a perspectiva das famílias e comunidades do território, que com muita luta e dedicação tem construído um sistema de convivência com o semiárido, permitido a partir da construção coletiva e das várias tecnologias sociais implementadas no território: os biodigestores, cisternas de placas e calçadão e até mesmo os apiários, muitas vezes associados à tecnologia do bioágua. Além disso, a experiência das Comunidades que Sustentam à Agricultura - CSA, que também se vê ameaçada pelo avanço do agronegócio sobre as comunidades. “Tem pessoas dormindo de máscara por conta da poeira e do veneno. Barulho de máquina toda hora! Famílias que viviam a 50 anos na terra, tendo que ir embora porque fica no terreiro da empresa” alerta João Vandir. 


Já o apicultor, Simonides Moreira, trouxe dados alarmantes da perda de 90% de abelhas por conta dos agrotóxicos despejados pela empresa nos arredores das comunidades.  “Eu já estou me deslocando para 100km de onde elas estão colocadas pra ver se consigo salvá-las. Teve agricultor lá que só de jandaíra já teve prejuízo de mais de 8 mil reais, fora as outras abelhas”, atentou Simonides. Além dos prejuízos diretos, sentidos financeiramente pelas famílias, o apicultor denuncia os prejuízos ambientais desencadeados pelo desmatamento que destruiu a fauna e flora locais.

Direito de resposta

A empresa em questão, convidada a prestar esclarecimentos diante do conselho, mais uma vez não se pronunciou. Tendo acontecido duas audiências no território: uma em que não houve presença da mesma e outra em que seu representante compareceu e apenas fotografou o local e participantes. Durante o debate na sessão, outros órgãos e secretarias se posicionaram alegando a necessidade de diálogo e de encontrar um caminho que seja melhor para ambas as partes.

Ao fim da sessão o Conselho definiu a criação de um Grupo de Trabalho para trabalhar e analisar melhor a temática, prevendo visitas a localidade e posteriormente uma câmara técnica para tomar providências e averiguar de maneira mais concreta as denúncias. Aqui, tomo a liberdade de encerrar esse relato com a fala da professora Adelita, que talvez seja mais eficaz do que qualquer outro prolongamento:

“É uma tristeza muito grande, chegar numa reunião extraordinária deste conselho pra falar sobre isso. A gente sabe e conhece o impacto do agronegócio historicamente, mas não consegue avançar em alternativas que já existem. Nós temos a agroecologia, que se baseia em conhecimento ancestrais que a gente atualiza e junta com as novas tecnologias pra que a gente produza alimentos que não nos matem. Pra que a gente não fique envenenando nosso solo, nossa água e nosso ar. Para que o vale do Jaguaribe não seja o território em que 50% dos casos de câncer venham de lá. E aí é uma tristeza estar aqui hoje pra falar disso, mas é uma necessidade. E a gente pede e conclama a esse conselho, alguma atitude que possa nos ajudar a sanar ou amenizar essa situação.”

Seguiremos na luta, em defesa dos territórios e de seus povos!



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