COLABORE

Agricultores e agricultoras da Chapada do Apodi se reinventam através da experiência da CSA

Áreas de Atuação

A Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte tem assessorado a experiência das famílias camponesas no território

Publicação: 05/07/2021


Foi no dia de São José, 19 de março, que na Chapada do Apodi no município de Tabuleiro do Norte, agricultores e agricultoras deram início a experiência da Comunidade que Sustenta Agricultura (CSA). Um modelo de trabalho onde agricultores e co-agricultores - como são tratados os apoiadores que recebem a produção - trabalham de forma conjunta, fortalecendo a agricultura familiar por meio do escoamento da produção de forma direta. Estreitando os laços entre quem produz e quem consome, a experiência acontece no território assessorado pela Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte, e é uma resposta aos muitos desafios que as famílias camponesas têm enfrentado ao longo do último ano, em especial a impossibilidade da comercialização em feiras livres devido a pandemia da COVID-19.

A experiência não seria possível, claro, sem as importantes parcerias firmadas pela Cáritas no território, entre elas o IFCE campus de Limoeiro do Norte, a Escola Família Agrícola Jaguaribana Zé Maria do Tomé e o Instituto Brotar. Resultado de um processo que teve início ainda em 2017 com o propósito de “fazer com que esse território se conheça e reconheça” como nos diz Anjerliana Souza, agente Cáritas na diocese de Limoeiro do Norte. Segundo a agente, era notável o potencial da convivência com o semiárido e da necessidade de uma articulação de luta por água e terra. “Quando começamos a conhecer, visitar e mapear o território. Já havia ali uma vivência da agricultura camponesa, mas muito subsidiada pelo período das chuvas”, aponta.

Fotos: Alisson Chaves

Assessoria e tecnologias sociais

No processo de despertar uma visão mais consciente quanto aos muitos problemas enfrentados pelas famílias e comunidades do território, em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi, no Rio Grande do Norte, foram realizados alguns intercâmbios. Nesses momentos, as famílias camponesas puderam perceber não só a potencialidade da organização comunitária, mas também como o avanço do agronegócio poderia interferir diretamente em sua forma de viver e trabalhar em suas terras. Outros intercâmbios no próprio território tiveram ainda o papel de fortalecer as trocas e os laços entre as comunidades, transformando os quintais em um espaço de encontro, conhecimento do território e fortalecimento da identidade desses sujeitos.

A partir de um edital do Instituto Nordeste e Cidadania e posteriormente com apoio da cooperação internacional, a Cáritas passa então a implementar o Sistema Bioágua Familiar nos quintais das famílias acompanhadas. Trazendo para as unidades a possibilidade de um sistema irrigado, como bem coloca Anjerliana, o Bioágua “potencializa, ressignifica o quintal: com a água de reuso você não tem o que fazer a não ser colocá-la no sistema de produção”. Seu João Vandir, de 54 anos, morador no Sítio Santo Antônio dos Alves em Tabuleiro do Norte, um dos agricultores do território acompanhado pela Cáritas de Limoeiro do Norte, aponta que, além de uma questão de saúde - já que a água cinza era despejada diretamente no quintal - a tecnologia contribuiu muito para a alimentação da família. “Se não fosse o bioágua ninguém nem tinha ideia de fazer essa produção”, completa.

A mudança é notável também junto a famílias como a de Dona Néria e seu marido Antônio, que vivem com seus três filhos, também no sítio Santo Antônio dos Alves. Acompanhados pelo Instituto Brotar, também foram contemplados com a tecnologia do Bioágua. A agricultora afirma que justamente pela falta de acesso a água, a família praticamente nada produzia em sua propriedade. “A gente carregava água em tubo de vinte litros pra aguar as minhocas pra elas não morrerem”, afirma a agricultora que na época iniciava a criação de minhocas para a produção de húmus.

Como a família de Seu João e de Dona Néria, outros agricultores e agricultoras começaram a produzir ativamente em seus quintais. Em parceria com o IFCE, foram pensados então arranjos de produção para o sistema, adaptando os cultivos a pouca quantidade de água disponível e considerando os períodos de chuva da região. “Com a produção de inicial de cultivos como a palma forrageira, a pitaia e o sabiá, intercalados com a batata doce, a macaxeira, o feijão, o milho e algumas frutíferas”, segundo Anjerliana, as famílias acompanhadas puderam ver diante dos seus olhos a transformação dos seus quintais, encontrando ali a possibilidade de incrementar sua renda.

Fotos: Alisson Chaves

Agricultura: das feiras para o Meu Quintal em sua Cesta

Organizada a produção, em 2019 as feiras agroecológicas promovidas pelo Instituto Brotar EFA Jaguaribana e posteriormente, a feira encabeçada pelos próprios agricultores na Chapada, foram os espaços destinados à comercialização da produção dos quintais. Nesse período, a Cáritas continuava acompanhando e monitorando a produção dos quintais, contabilizando até 2020, vinte e dois quintais produzindo ativamente. “Com essas informações a gente fazia uma relação de preços de venda do comércio local para perceber a economia financeira que estavam fazendo”, relata Anjerliana.

Foi também através do monitoramento que, logo no início da pandemia, com a suspensão das feiras e consequentemente a inviabilidade da comercialização, foram contabilizados, somente no primeiro semestre, quase 10 mil reais de prejuízo. “As tomates cerejas nós tivemos que dar pras galinhas porque não tinha venda”, diz dona Néria. A situação infelizmente foi partilhada por muitos dos agricultores do território, que se viram sem outra alternativa, perdendo grande parte da produção conquistada com tanto esforço.

É nesse contexto desafiador que a Cáritas juntamente com seus parceiros e voluntários traz aos agricultores a possibilidade da CSA. “A gente ia perder os produtos e sabendo que tinha gente lá do outro lado que podia comprar”, conta seu João sobre o início da experiência. Apresentados à CSA, os produtores conheceram diversas experiências, se deparando no entanto com outras questões: a pouca terra, a escassez de água e pouca produção eram os grandes desafios em relação às CSA’s estudadas pelo grupo.

Anjerliana explica que, diferentemente das outras experiências de CSA, onde os co-agricultores escolhem os produtos que compõem as cestas, no território da Chapada a ideia seria ofertar a produção já existente nas propriedades, considerando os produtos disponíveis no período e levando em conta a sazonalidade. Com colaboração do IFCE, foi planejado como dar continuidade ao projeto, levando em consideração, além das questões da escassez tanto da terra quanto da água, a necessidade de um planejamento escalonado e integrado entre os agricultores e agricultoras. Outro ponto importante foi a precificação dos produtos. Anjerliana aponta que, a partir de experiências como as das feiras do MST e de programas do governo como PAA e PNAE, o objetivo foi construir um preço justo e não variável nos primeiros meses da experiência, “assegurando aos agricultores e co-agricultures um preço justo”.

Fotos: Alisson Chaves

Comunidade: co-agricultores 

Um ponto chave da proposta da CSA é o papel dos co-agricultores. Eles não estão simplesmente na outra ponta da cadeia, como meros consumidores, mas como parceiros. Que compram os ideais e o projeto de mundo que os agricultores almejam. Adelita Maia, engenheira agrônoma e membro da Associação Família Agrícola Jaguaribana é uma das 30 co-agricultoras que somam-se à experiência. Segundo a agrônoma, a iniciativa tem sido importante tanto no quesito da valorização da experiência, quanto na importância do acesso a alimentos saudáveis advindos da agricultura camponesa. “As pessoas assumem um compromisso com o alimento que estão trazendo pra suas casas, colocando nas suas mesas, se alimentando e fornecendo pros seus familiares”, afirma.

Outro dos co-agricultores que se soma à experiência, Reginaldo Ferreira, 42 anos, é técnico em agropecuária e Coordenador do projeto Comunidades Vivas pelo Instituto Brotar. Reginaldo diz que logo no início da pandemia compartilhou da preocupação das famílias camponesas quanto a comercialização, atendendo de pronto o chamado da Cáritas para colaborar com o projeto. Em relação ao seu papel como co-agricultor, ele esboça muita animação. “A cada cesta que a gente recebe, fica mais satisfeito. São produtos de boa qualidade, alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos. Essa experiência é muito boa e tem muito futuro".

E essa felicidade é compartilhada e notada também pelos agricultores. “A gente fica muito satisfeito quando a gente chega que vê o agrado da pessoa, tanto de receber a gente quanto receber aquela cesta”, relata Seu João, que além de produtor tem lidado mais diretamente com os co-agricultores na logística das entregas. Apesar da procura, o número de co-agricultores segue limitado, pensando na logística e produção de qualidade dos camponeses que compõem o projeto no momento. A ideia é que esse número seja ampliado na medida em que mais agricultores e agricultoras vão se somando à experiência.

No território, a “CSA - Meu quintal em sua cesta!” tem sido um sinal de esperança, animando os agricultores e agricultoras a aumentar a produção e a lutar pelos seus direitos: por água, por terra e pelo Bem Viver. Esse tem sido um movimento não só de consumo consciente, de alimentos saudáveis, mas ainda, pelo acesso a boa moradia, educação, saúde, garantia de direitos e uma vida digna no campo. Além disso, na aproximação do campo com a cidade, a experiência tem fortalecido a agricultura familiar camponesa e convocado mais pessoas para a luta. Para conhecer a experiência visite o instagram do Projeto clicando aqui.


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