COLABORE

Uma economia a serviço do ser humano, que valoriza os laços afetivos e solidários

Áreas de Atuação

A Cáritas Brasileira atua há 40 anos na área da Economia Popular Solidária, no fim deste artigo, alguns matérias para esta celebração

Publicação: 29/10/2020


A Economia Solidária no Brasil

Por Marcela Vieira* | Assessoria Nacional da Cáritas Brasileira


A partir do avanço do modo capitalista, a classe operária no período entre 1780 até 1880, manifestou em três níveis sua resistência: na luta contra o industrialismo, na luta pela democracia e, finalmente, em seu desenvolvimento de formas próprias de organizações sociais anticapitalistas, daí surgem os sindicatos e as cooperativas. 

Segundo Paul Singer  (1932-2018), foi o socialista inglês Robert Owen (1771-1858), o idealizador de um projeto de sociedade alternativo ao capitalismo, baseado em novas forças produtivas e novas relações sociais capazes de superar a exclusão social e despertar novas formas de divisão igualitária da renda. Neste sentido, o modelo cooperativo e que genericamente se chama de economia solidária, surge como resposta à crescente exclusão social produzida pelo neoliberalismo.

A economia solidária vem caminhando em sua consolidação no país, a partir da articulação de diversos atores sociais que, reunidos no I Fórum Social Mundial (FSM), constituiu um Grupo de Trabalho de Economia Solidária. Este grupo, então animou a criação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES). Neste mesmo período, no ano de 2003 se constitui o Ministério do Trabalho e Emprego (‘MTE) e a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes).  A criação da Senaes foi um grande ganho e reafirmou a força da organização popular através do Movimento da Economia Solidária, por meio do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (Ecosol). A Senaes foi constituída com o objetivo de viabilizar e coordenar atividades de apoio à economia solidária em todo o território nacional, visando à geração de trabalho e renda, à inclusão social e à promoção do desenvolvimento justo e solidário (‘MTE, 2007) .

A economia solidária, enquanto política pública se insere como uma proposta de transformação do mundo do trabalho. Com isso desafia o poder público a buscar respostas quanto às relações de trabalho e emprego assalariado.  De acordo com a atuação da Senaes, a economia solidária deverá ser capaz de conviver com o sistema capitalista e ainda assim ser uma resposta às mazelas sociais que se alastram nos países. 

O professor Paul Singer esteve à frente da economia solidária como secretário nacional reafirmando a economia solidária como estratégia de desenvolvimento para o país (Singer, 1998). De acordo com os escritos e afirmações do mesmo, o modo de produção cooperativo é o que merece destaque, pois foi desenvolvido pelo movimento operário socialista e foi o que deu origem às cooperativas de consumo e de produção, que vem atuando nas fissuras do capitalismo. As cooperativas conseguem constituir forças produtivas e também desencadear processos educativos e reflexivos, nos coletivos de produtores e consumidores, a respeito dos contextos econômicos e sociais do país.

Nos processos de animação e fomento da economia solidária, faz-se necessário agregar todos/as que desejarem uma oportunidade para trabalhar e conviver cooperativamente. No entanto, o programa de economia solidária fomentado pelo Ministério do Trabalho/Senaes, fundamentava-se na tese de que as contradições do capitalismo criaram oportunidades de desenvolvimento para organizações econômicas, contraditórias ao modelo de produção dominante. 

A economia solidária surge como uma alternativa que se contrapõe ao modelo capitalista desenvolvimentista, tendo uma importante tarefa de agir por dentro do capitalismo, desencadeando o desenvolvimento humano e solidário. Com isso, a economia solidária não atuou de forma mais direta em oposição ao sistema capitalista, como na consolidação de um poder político e econômico, segundo afirma Paul Singer.

Para o economista Marcos Arruda, a socioeconomia solidária trás aspectos mais amplos para o objetivo da economia solidária, propondo-se em ser uma economia a serviço do ser humano, valorizando os laços afetivos e solidários, como afirma o ditado popular: pessoas que vestem a camisa da economia solidária (Arruda, 2003).

A economia solidária se bem trabalhada em sua base, pode ser uma alternativa superior ao capitalismo, oportunizando a criação de novos valores no interior dos empreendimentos econômicos solidários. Segundo Paul Singer, para que à economia solidária se transforme para além de mitigadora dos males do capitalismo, deverá alcançar níveis de eficiência na produção e distribuição de mercadorias compatíveis com aos da economia capitalista.


Cáritas Brasileira e a Economia Popular Solidária

A Cáritas Brasileira vem em sua trajetória há 40 anos, atuando no apoio e no fomento das ações em prol da Economia Popular Solidária (EPS). Chama-se essa outra Economia de Popular e Solidária, em virtude das iniciativas populares na busca da geração de trabalho e renda, baseado na livre associação das pessoas, a cooperação e da autogestão. Uma economia centrada na busca de condições de satisfação das necessidades – sempre novas – dos seres humanos, na perspectiva do Bem Viver de todos e para todos.

 O apoio dos Projetos Alternativos Comunitários (Pacs) que ocorreu no final da década de 1980, com o objetivo de aperfeiçoar os instrumentos de apoio às iniciativas coletivas sustentáveis de “desenvolvimento” ou envolvimento local. Essas ações de fomento priorizaram o protagonismo dos excluídos e excluídas na busca da construção de novas relações solidárias na produção, comercialização e incidência em prol das políticas públicas e de acesso a direitos.

No âmbito das intervenções, as ações da Cáritas não são restritas e nem centralizadas no fornecimento de crédito e nem assistência técnica para as atividades produtivas. A Cáritas tem animado e estimulado práticas de solidariedade coerente com alternativas de desenvolvimento humano integral, sustentável e solidário. 

Segundo Ademar Bertucci (1942-2018), que foi assessor nacional da Cáritas Brasileira: “A EPS nasce de uma postura crítica frente ao atual modelo econômico de exclusão e se guia por um mercado solidário”. A economia solidária tem sido uma grande oportunidade concreta de abertura e construção de uma proposta não capitalista, alicerçado na cooperação entre os atores sociais que integram os empreendimentos e os consumidores, possibilitando o desenvolvimento humano integral, social pautado em valores como a solidariedade, a autonomia, a igualdade e a democracia. Apesar de todos os erros e acertos, vem se consolidando com a inserção de novos agentes nos empreendimentos, fortalecendo os laços solidários associativos.

O fortalecimento das iniciativas de EPS tem sido um apelo para dentro da rede Cáritas, mas se reconhece a necessidade de atuar na incidência política, buscando alternativas econômicas solidárias, pautadas em políticas públicas estruturantes, para o “desenvolvimento” sustentável dos territórios através do empoderamento das pessoas inseridas nos empreendimentos.

A Cáritas tem apoiado a articulação e o fortalecimento dos fóruns de economia solidária, garantindo o protagonismo dos empreendimentos. Os fóruns são espaços de formação, informação e planejamento das ações nos estados visando as intervenções na busca de políticas públicas. A EPS tem garantido uma base concreta, oportunizando vivências que necessitam de marcos regulatórios garantidos através das políticas públicas. Neste sentido, os fóruns tem suma importância na construção democrática destas propostas.

Diante dos desafios que se impõe no âmbito da atuação com a EPS, a Cáritas em seus processos de avaliação, no sentido de fortalecimento interno da temática, levantou os seguintes aspectos que, de certa forma, pautam o horizonte para as futuras ações: os limites de acompanhamento dos Empreendimentos Econômicos Solidários (EES), apoiados pelas Cáritas Diocesanas, em função do quadro reduzido de agentes Cáritas; a gestão dos fundos de apoio gerenciados pela Cáritas; o acesso e protagonismo dos excluídos/das que integram os EES; a insuficiência dos recursos financeiros nos projetos apoiados; as dificuldades de acesso e controle social das políticas públicas para o fortalecimento das iniciativas de EPS e a pouca visibilidade e difusão das inciativas de EPS e de seus resultados. 

Diante disso, a Cáritas tem reafirmado o seu compromisso em seguir animando os processos de organizações coletivas, atuantes na Economia Popular Solidária, animados na busca de meios para romper com o modelo econômico excludente capitalista e assim consolidar uma economia alicerçada na solidariedade, na autogestão, no cuidado com a casa comum, na valorização das pessoas e dos saberes tradicionais, em prol da sociedade do bem viver.


Nestes tempos

A partir das mudanças ocorridas no país após as últimas eleições em 2018, houve um desmonte das políticas públicas e o esfacelamento dos direitos conquistados pelos trabalhadores e trabalhadoras na trajetória da Economia Solidária no Brasil, o cenário é simplesmente devastador. O atual governo eleito democraticamente extinguiu o Ministério do Trabalho e Emprego, consequentemente a Subsecretaria de Economia Solidária, antiga Senaes e criou o Ministério da Cidadania, simultaneamente à Secretaria de Inclusão Produtiva Urbana e nela alocou um departamento de economia solidária. Esta, então, é à atual estruturação da economia solidária no governo vigente. 

Seguimos na expectativa de retomarmos o Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES), para que as políticas de economia solidária possam ser dialogadas conjuntamente com a sociedade civil organizada. Neste sentido, a Cáritas se mantém apoiadora da manutenção do CNES, tendo em vista que é integrante da coordenação executiva do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FEBS). Reconhecemos como uma conquista do movimento de economia solidária e FEBS, a Proposta de Emenda à Constituição n° 69, de 2019, que acrescenta o inciso X ao art. 170 da Constituição Federal para incluir a economia solidária entre os princípios da Ordem Econômica.

Neste cenário de fragilidades e resistência, a economia solidária vem se reafirmando como resposta ao alto índice de desemprego que o país enfrenta, em contra posição a escassez do trabalho formal, cresce a informalidade e os órgãos de controle não dão conta de mapear o crescente surgimento de organizações coletivas informais, mas que geram trabalho digno e renda para seus integrantes.  

Acreditamos como um grande sinal de esperança e profetismo, a convocação do papa Francisco para o encontro a “Economia de Francisco”, em março de 2020, em que chama economistas, empreendedores e empreendedoras, jovens de até 35 anos, para pensar um novo modelo econômico pautado no afeto e solidariedade, por um mundo mais humano, menos materialista e não alicerçado no consumo excessivo que violenta e explora os recursos naturais. 


Acesse ao material produzido para a celebração dos 40 anos de atuação da Cáritas Brasileira na área de Economia Popular Solidária

Acesse aqui a Logo dos 40 anos da EPS

Acesse aqui o Tríduo celebrativos dos 40 anos da EPS

Abaixo a Música para a celebração dos 40 anos da EPS

* Marcela Vieira é assessora Nacional da Cáritas Brasileira para a área de Economia Popular Solidária. Este artigo foi originalmente publicado no Relatório final do Projeto Fortalecimento da Economia Popular Solidária no Brasil

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