COLABORE

Agricultores e agricultoras celebram frutos do Programa Uma Terra e Duas Água

Áreas de Atuação

Em Sobral beneficiários e agentes da Caritas avaliam os avanços feitos a partir dos pre

Publicação: 09/01/2020


Por Agamenon Porfírio | Cáritas Regional Ceará

Dona Lúcia, moradora do sítio São Mateus, no município de Sobral-CE, fala de seus canteiros de hortaliças com um orgulho que dá gosto de ver. O sorriso largo no rosto se mantém enquanto ela explica como a propriedade em que vive com a família se transformou com a aquisição da cisterna de enxurrada. Além da visível transformação da propriedade e o acesso a renda com a comercialização do que agora produz no arredor da cisterna, Dona Lúcia fala com satisfação da sua “segunda casa” e confessa que “se esquece do tempo” enquanto cuida e admira os frutos de seu trabalho. Foi através do Programa Uma Terra e Duas Águas, o P1+2, que Dona Lúcia e outras famílias tiveram acesso à cisternas e outras tecnologias de convivência com o semiárido, além do apoio do projeto em atividades como a criação de pequenos animais e a ampliação de quintais produtivos.

Juntamente à Dona Lúcia, agricultores e agricultoras das cidades de Morrinhos e Sobral, reuniram-se entre os dias 18 e 19 de dezembro, na sede da FETRAECE, em Sobral, para um encontro de avaliação da etapa de encerramento do programa. Com a presença de técnicos e assessores da Cáritas e de entidades parceiras, o espaço de partilha e avaliação, foi um momento de não só revisitar as experiências desenvolvidas, mas também os desafios vivenciados durante o projeto. Executado pela Cáritas na região norte do Ceará desde 2008, através do P1+2 cerca de 1600 tecnologias foram implementadas, proporcionando melhor manejo da água, uma produção mais sustentável e a garantia da segurança alimentar para as famílias. Além disso, através de intercâmbios e formações, partes fundamentais do projeto, foram viabilizadas trocas de experiência e conhecimento entre agricultores e agricultoras.

Depois de uma acolhida aos participantes, o primeiro momento do encontro foi marcado por um resgate dos resultados de políticas de convivência com o semiárido desempenhados nos últimos anos e as perspectivas de futuro desse trabalho. Em seguida, Seu Valmir, que assim como a Dona Lúcia também foi beneficiado pelo fomento na segunda etapa do programa, relembrou como a chegada do P1+2 modificou seus modos de trabalho e consequentemente afetou positivamente a vida de sua família. Enquanto Dona Lúcia pôde ampliar seus canteiros produtivos, Seu Valmir, em sua propriedade em Morrinhos, conseguiu ampliar a criação de galinha caipira e consequentemente a renda de sua família.

A questão do papel das mulheres do meio rural na construção da convivência com o semiárido, foi trazido por Glória Carvalho, coordenadora do projeto. A própria segurança alimentar e o manejo da água – alguns dos objetivos previstos dentro do P1+2 – sendo tarefas atreladas principalmente ao trabalho desempenhado pelas mulheres, pedem a inclusão feminina. Glória aponta que essas mulheres devem estar presentes não só dentro dos processos produtivos, mas também nos processos de comercialização solidária e participação política. “É primordial que essas mulheres estejam atuantes dentro do programa para que ele alcance o objetivo a que se propõe”, assinala a coordenadora.


Sementes Crioulas e democratização do acesso à água

O exemplo da casa de sementes da comunidade de São Benedito, trazida por Chico Antônio, um dos membros da RIS (Rede de Intercâmbio de Sementes) Ibiapaba, é um dos muitos casos onde o protagonismo das mulheres pode ser percebido. A RIS da Ibiapaba, fundada em 2015, obteve suporte do projeto Sementes do Semiárido, elaborado pela ASA Brasil, apoiando a criação de 12 casas de sementes naquele território. A casa de sementes de São Benedito, que possui 85 sócias em seu quadro de membros, é a segunda das outras 18 casas que foram criadas após o fim do projeto.  O caso mostra não só como os agricultores e agricultoras se apropriaram e se mobilizaram a partir dos processos de formação fomentados pelo projeto. Mas também como a rede se fortaleceu e consegue seguir de forma independente e autogestionada. “Não é a Cáritas que planta, multiplica e guarda nas casas de sementes”, disse Chico Antônio reforçando o papel dos próprios campesinos.


Ainda durante o painel sobre Sementes Crioulas, José Maria, técnico da Cáritas Diocesana de Sobral, apresentou o aplicativo BioSemeie. Desenvolvido pela Embrapa e lançado no ano passado em Petrolina durante o evento Semiárido Show, o aplicativo tem como objetivos principais o controle de estoques e a possibilidade de intercâmbio de sementes e conhecimentos entre os agricultores e agricultoras membros das casas de sementes. Entre algumas das funcionalidades do BioSemeie, estão o controle, a localização e estoques das casas de sementes, número de sócios, variedades armazenadas e características agronômicos das sementes – como cores, ciclos, resistência a seca, etc. A grande vantagem do aplicativo, como aponta José Maria, é a possibilidade de usar o app sem conexão com a internet, onde os dados são atualizados quando os aparelhos estiverem conectados. Além do que, o BioSemeie se propõe a estreitar as supostas distâncias entre os conhecimentos tradicionais dos campesinos e o conhecimento científico.

O tema da democratização do acesso à água foi trazido pro Almir Barros, membro do Comitê de Bacias Hidrográficas do Acaraú. A importância da mobilização popular em torno da defesa das nascentes de água, além de outras pautas referentes a convivência com o semiárido foram pontos centrais do painel. Almir explicou ainda o funcionamento do Comitê e como a cobrança junto aos órgãos responsáveis são um trabalho não só dos membros e entidades participantes, mas de toda a sociedade civil.

Avaliação


No segundo dia de encontro, o momento de avaliação se dividiu em duas etapas: a primeira voltada às impressões dos próprios agricultores e agricultoras e a segunda sob o ponto de vista dos técnicos envolvidos no trabalho. Guiados por perguntas base, como as mudanças trazidas pelo programa, a participação específica de mulheres e jovens na dinâmica de trabalho e pontos onde o projeto poderia melhorar, divididos em grupos, os participantes discutiram e trouxeram para a plenária seus pareceres e anseios.

Os relatos sobre as transformações nas propriedades, na renda, nas relações familiares e até mesmo quanto a identidade e pertencimento a terra, foram unânimes. Nas cidades de Morrinhos e Sobral, o P1+2 possibilitou não só acesso a água e segurança alimentar, mas para muitas famílias a perspectiva de continuar a viver do próprio trabalho, sem abandonar o campo. Já a questão da participação de jovens e mulheres se destaca nos espaços de trabalho e protagonismo, principalmente no tocante a divisão de trabalho e de geração de renda. O que possibilitou, não só maior independência desses sujeitos, como também, no caso dos jovens, o despertar para entender que é possível sim continuar a viver no campo.

O desejo geral dos agricultores e agricultoras em relação ao programa, seria uma maior abrangência deste. Possibilitando que mais famílias fossem beneficiadas com as transformações acarretadas pelo apoio à atividades como a criação de pequenos animais e cultivos de quintais produtivos, o próprio acesso à água e os momentos formativos e de trocas de conhecimento. Outro ponto interessante, que reforça também o lugar das mulheres dentro do P1+2, foi a cobrança de maior espaço para elas com a colaboração dos homens. Envolvidos nos processos de trabalho, eles precisam não só compreender a magnitude do trabalho desenvolvidos por mulheres e jovens, mas também dividir as cargas e jornadas duplas de trabalho que muitas mulheres desempenham.

Guiada a partir da retrospectiva da trajetória dos trabalho desenvolvidos e apresentação dos resultados obtidos, a avaliação técnica foi feita pelos especialistas em agroecologia e técnicos da Cáritas Eldo Amaral e Marina Bezerra. Da apresentação do projeto, aos primeiros encontros, com realização de diagnósticos e elaboração de projetos produtivos, às experiências e intercâmbios, foram implementadas 200 tecnologias de manejo de água, nas variedades de cisterna calçadão, barreiros trincheira e cisterna de enxurrada. No segundo ano do projeto, vieram as visitas para elaboração dos pareceres dos técnicos. Agricultores e agricultoras relembraram momentos dos processos de formação e puderam vislumbrar e dividir mais uma vez as transformações que aconteceram nessa última etapa de projeto.


“No semiárido tem de tudo e o que falta a gente inventa”. A frase, escrita em um copo distribuído no evento, e, repetida vez por outra durantes os dois dias de encontro, reflete bem a sensação compartilhada de pertencimento, profecia e luta que aqueles agricultores e agricultoras parecem carregar em si. Por fim, depois de dias de partilha de experiências e afetos, de mãos dadas, os participantes dividiram por uma última vez sua gratidão pelo trabalho desempenhado e seus desejos de continuar a viver da agricultura familiar sem abandonar o campo.

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